O calendário da Indy anunciado para a próxima temporada traz consigo mais uma redução no número de ovais na categoria. Pensando nisso, elencamos aqui alguns motivos que explicam como isso veio a acontecer..

ovais ISC e SMI
O Richmod International Raceway saiu da Indy antes mesmo de ter entrado.

Os ovais são uma marca registrada da Fórmula Indy no mundo, pois ela é a única categoria que produz essa imagem de carros open wheel raspando muros e até mesmo outros carros volta após volta nos circuitos de formatos mais simples e acertos mais complicados do mundo. Para muitos (incluindo eu), os ovais são a alma da Indy e parte essencial da categoria.

No entanto, a muito tempo, eles vem sumindo cada vez mais do calendário da categoria. Por quê? Bem, viemos elencar vários motivos, confira:

1º. A Indy não possui acordos vigentes com nenhuma empresa associada a ovais

Esse talvez seja o principal motivo de não vermos mais ovais a torto e a direito na Indy; a categoria não possui acordos com empresas associadas a ovais. Vou explicar.
 
Os circuitos ovais até meados dos anos 90 eram comandados de forma independente, onde cada um deles tinha seus donos, sócios ou empresas específicas que cuidavam desses circuitos. Isso porque, antigamente, o esporte a motor (principalmente o automobilismo americano) vinha muito bem e os ovais conseguiam se manter independentemente, apenas com dinheiro de ingressos, patrocínio e outras coisas vendidas dentro do próprio circuito.

No entanto, crises financeiras e automobilísticas fizeram com que as receitas desses ovais fossem, pouco a pouco, diminuindo, enquanto as despesas causadas por modificações voltadas para a segurança desse tipo de circuito (como instalação de SAFER Barrier, telas de proteção inteligentes, retirada de áreas de grama, aparatos de sobrevivência e apoio a emergências, entre outros) fizeram com que os circuitos ovais tivessem cada vez mais prejuízos com eventos.

Importante ressaltar que, no caso da Indy, a fragilidade dos ovais perante às mudanças de receita é ainda maior, pois a grande maioria dos circuitos ovais ficam em áreas bastante isoladas no território americano. Consequentemente, dirigir cerca de uma hora para ir do local mais próximo para o circuito para ver uma única categoria (já que, na grande maioria das vezes, a CART e a IRL corriam sozinhas ou com, no máximo, a Indy Lights junto) por dois dias seguidos é uma atividade para pessoas realmente aficionadas na categoria.

Para evitar que a situação se tornasse insustentável e muitos ovais fechassem, foram criadas empresas que se associavam ou, em último caso, compravam esses ovais e evitasse que elas fossem fechadas. A principal dessas empresas é a International Speedway Corporation, ou ISC. Ela foi criada para cuidar especificamente de circuitos onde os donos eram a família France (donos também da NASCAR) e que, nos anos 90, compraram a parte da Penske Motorsports que comandavam os circuitos de Roger Penske. A ISC chegou a ter dezessete circuitos sob sua associação e hoje possui treze circuitos, onde a NASCAR corre em doze deles e proporciona mais da maioria das etapas da categoria principal. 
 
Além a ISC, existe também a Speedway Motorsports Inc, ou SMI, que foi criada em meados dos anos 90 por Bruton Smith (um dos sócios da NASCAR) e que possui nove circuitos em seu plantel, onde a NASCAR corre em oito deles.

Também vale mencionar a Dover Motorsports, empresa que é responsável pela gerência do Dover International Speedway e que, nessa última década, vem adquirindo, revitalizando e reabrindo ovais. Atualmente ela tem quatro circuitos: o de Dover, o de Gateway (que foi fechado em 2010 e reaberto em 2012), o de Memphis (fechado em 2009 e reaberto em 2011) e o de Nashville, que será reaberto o ano que vem.

Como podemos ver, a forte associação da NASCAR com essas três empresas faz com que as negociações por ovais seja bem diferente dos casos da Indy, que muitas vezes fica sujeita aos desejos da NASCAR e seus próprios interesses. 

ISC e SMI tem circuitos pra caramba.

O surgimento dessas associações foi uma das principais dificuldades da CART em conseguir mais ovais no final dos anos 90 e nos anos 2000. Nenhum dos ovais associados a nenhuma dessas três empresas estreou na CART após sua associação; pelo contrário, a maioria deles saiu do calendário depois dessa associação.

Repare: Homstead-Miami se associou a ISC em 1999 e saiu da CART em 2000; Michigan e Nazareth se associaram em 1999 e saíram do calendário em 2001; e Fontana que se associou em 99 e saiu em 2002. Ou seja, a categoria não conseguia (ou não tentava tanto) ser parceira dessas empresas e, para ter cada vez mais ovais, buscava-os principalmente fora dos EUA (já que a maioria dos ovais em solo americano já eram associados). Esses foram os casos de Jacarepaguá, Motegi, Rockingham e EuroSpeedway Lausitz, a fim de se juntar aos ovais sem associação e tentar manter o número de cinco ovais no calendário.

Ter acertos com as empresas que são associadas a ovais são tão importantes que em muitas partes elas são o principal chamariz de uma categoria inteira. O principal exemplo era a IRL: Tony George era muito amigo e sócio da família France, o que fazia com que uma associação da IRL tanto com a ISC quanto com a SMI fosse um passo lógico (além da IRL garantir cobrir prejuízos financeiros de seus eventos) e, com isso, a categoria conseguia facilmente encher seu calendário de ovais e fazendo este ser o principal chamariz da categoria por mais de uma década.

Essa associação se perdeu no início da década, quando a a categoria deixou de ser IRL e passou a ser INDYCAR. Como uma das várias mudanças de diretrizes, a categoria parou de ressarcir os prejuízos causados por seus eventos, pois essa prática causava enormes rombos nos cofres da categoria, e com isso os acertos com essas empresas se perdeu; o que nos leva ao segundo ponto:

2º. As corridas em ovais, em sua maioria, davam prejuízos aos donos dos circuitos

Os circuitos ovais são o tipo de circuito mais caro do mundo no século 21. Muros forrados de SAFER Barrier onde, apesar de manterem grande segurança ao piloto, precisam ser trocados a cada batida mais forte e possuem um preço bem mais elevado, são o exemplo mais óbvio.

Asfaltos cada vez mais exigidos e, hoje em dia, muitos com inclusão de PJ1, além de alambrados de alta resistência e da manutenção que um colosso de vários quilômetros quadrados exige, faz com que muito dinheiro seja necessário para a manutenção de um circuito nos padrões mínimos exigidos por uma NASCAR ou Fórmula Indy. Por esse motivo, muitos circuitos ovais mais estruturados não abrem mais do que algumas vezes por ano, pois o custo de se abrir um oval é muito alto.

Assim, se você já abre poucas vezes por ano e dispensa muito dinheiro para isso, a última coisa que você deseja é prejuízo. 

No entanto, se para um oval se manter é muito caro, para ele conseguir lucro a ponto de ser viável a realização de eventos nele é necessária uma grande quantidade de receita. Sei que parece loucura falar que a receita de ingressos não cobre custos de um oval tendo em consideração que um ingresso pra uma corrida em oval custa de 70 a 100 dólares mas, em circuitos muito grandes e custosos como Texas, Michigan e Fontana, colocar 20 ou 30 mil pessoas num circuito duas ou três vezes por ano não cobre os prejuízos. 
 
Essa linha de pensamento vale para circuitos que tem alguma empresa associada ou não. Financeiramente falando, não importa tanto a qualidade da corrida ou a audiência das provas. Se não há pessoas in loco vendo a corrida, comprando ingressos e consumindo, a receita não vem e a conta não fecha, fazendo com que a realização das provas fique cada vez mais difícil. 
 
Na verdade, isso vale para qualquer circuito, mas como o custo de uma prova em oval tende a ser bem maior que a do misto, a margem de lucro de um circuito misto tende a ser maior que a de um circuito oval, além de um circuito misto ter várias formas de contornar melhor seus prejuízos trazendo várias categorias em um mesmo fim de semana, seja aumentando a atratividade de seus eventos ou abrindo várias vezes por ano e abraçando qualquer pequeno lucro que pode obter de cada evento.

No entanto, a presença de público em uma prova, principalmente se não é um evento muito tradicional ou visado pelo público, se torna difícil de prever. Daí vem o terceiro ponto da nossa lista:

3º. A INDYCAR não oferece muitas garantias financeiras para os donos de circuito

Os problemas de público não são exclusividade da Indy nos ovais. Um grande exemplo é a NASCAR, que por meio da ISC e da SMI, os circuitos recebem parte de direitos de imagem em cada prova (por isso alguns ovais brigam muito para ter uma segunda corrida da categoria principal, ou para trazer mais vezes as categorias satélites da NASCAR, para seus autódromos) . Assim, os circuitos não dependem apenas de consumos e ingressos.
 
Os direitos de imagem da NASCAR funcionam como uma garantia aos donos de circuito de que o evento não dará prejuízo e, assim, eles ficam bem mais abertos a receber a categoria e gostam de negociar com ela.

Antigamente, nos anos 90, a CART custeava todos os custos de abertura e operação da maioria dos ovais, desonerando esse custo dos donos de ovais. Em contrapartida ela ficava com a maior fatia na receita, mas caso um evento desse prejuízo, caía tudo no colo dela.

A IRL adotava uma forma diferente onde, além do acordo com as empresas associadas a circuitos mistos, ela cobria o prejuízo em preços de ingressos; normalmente se estipulava um número X de ingressos pra cada circuito e, no caso das vendas de ingressos não cobrir o número previamente estipulado, a categoria de Tony George cobria a diferença do próprio bolso, assumindo para si o prejuízo.

Essas duas práticas são duas formas indiretas de, praticamente, pagar pra correr. A CART tinha de pagar para basicamente um circuito misto fazer o seu trabalho de se manter em condições de corrida e operar normalmente, enquanto a IRL literalmente pegava o prejuízo e levava para os seus cofres. São duas práticas muito complicadas de se realizar e manter hoje em dia. Por esse motivo, foram abolidas com todo o processo de reunificação em INDYCAR novamente mas tem o grande efeito negativo de não oferecer diretamente garantias aos donos de circuito. 
 
A INDYCAR ajuda bastante no trabalho de promoção e, tendo uma comunidade influente com Penske, Ganassi, Andretti, Foyt etc, muitas vezes consegue trazer um patrocínio à prova que ajuda bastante a cobrir prejuízos e dar mais lucro aos eventos. Só que, ainda assim, são ações situacionais que podem ou não dar certo, passando muito longe de ser uma garantia. 
 
Além disso, tem o problema de ter de, quase sempre, introduzir um terceiro indivíduo nas negociações, que é quem vai desembolsar o dinheiro, e isso traz um ponto importante:

4º. Circuitos mistos e de rua ficaram bem mais acessíveis

Isso não se tratando apenas ao público americano, mas também as negociações por parte das categorias.

A superfície branca do traçado de Nashville é linda.
 
Veja por exemplo o caso de Nashville na Indy que, no ano que vem, correrá em um circuito de rua na mesma cidade do Nashville Speedway. A algum tempo se vinha ventilando de se fazer uma corrida em Nashville da Indy até que, no meio desse ano, o time da NFL Tennessee Titans se interessou e custeou a brincadeira, conseguindo as licenças necessárias para se construir um circuito temporário de rua em volta do estádio. Tudo em menos de seis meses!

Em contrapartida, a categoria vem negociando com o Nashville Speedway e a Dover Motorsports desde os primeiros rumores de reabertura do circuito, no final de 2018, mas nunca saiu de conversas e intenções.Eventualmente, chegou-se ao ponto onde foi mais fácil convencer um time de futebol americano e passar por toda uma burocracia estatal para ter uma corrida do que negociar com um circuito oval. 
 
Na prática, um circuito de rua é muito mais acessível e atrativo para quem desembolsa o dinheiro necessário para uma etapa. É bem mais atrativo trazer para os fãs do time uma prova da Indy que passa literalmente em volta do estádio do Titans e mais próximo das casas deles do que ter de atrair todo mundo para um circuito oval que fica a 45 quilômetros do centro de Nashville e 60 quilômetros do estádio dos Titans para ver a Indy. Esse não é o pensamento só dos Titans, mas também das prefeituras, que são quem mais trazem circuitos de rua para a Indy. 
 
O pensamento de marcas automotivas que investem na Indy, como Honda, Chevrolet e afins segue, além dessa mesma linha dos circuitos de rua, uma tendência de ir aos circuitos mistos. Como vimos anteriormente, devido a segurança, é bem mais fácil colocar várias categorias para correr num mesmo fim de semana em um circuito misto do que num circuito oval. Assim fica mais fácil ter, além da Indy, uma corrida do GT World Challenge, ou o IMSA Sports Car Championship, onde essas marcas correm, para correr junto com a Indy e ter mais exposição da marca. 

Quando se trata de terceiros, são poucos os casos onde a opção de correr em um circuito oval é a opção mais atrativa. Muitas vezes são patrocínios que pretendem se envolver mais com a categoria em si e, como ovais são os mais sensíveis financeiramente, os patrocínios esporádicos da categoria normalmente são voltados para eles. Basta ver que, desde 2017, todos os ovais da categoria exceto Iowa têm um patrocinador exclusivo para essa prova.
 
Basta ver também que, quando esse patrocínio acaba saindo do mundo da Indy e não se consegue atrair um novo patrocinador, o circuito oval sai do calendário.
 
Tudo isso culminou no ponto onde chegamos: no calendário da Indy, desde a mudança definitiva para INDYCAR, em 2012, sempre houve apenas de três a cinco ovais no ano, que são os mais rentáveis e conseguem manter um patrocínio principal que custeia tudo para que nem Indy nem os donos do circuito fiquem com grandes prejuízos.

Além disso, há uma grande dificuldade nas negociações da Indy com as empresas associadas a ovais, muito devido a um retrospecto razoavelmente ruim da história antiga da categoria com ovais, onde eles muitas vezes tinham baixo público, exigências grandes de coberturas de prejuízos e garantias muito complicadas de que o evento dará certo. Essas empresas ajudam muito os ovais a sobreviverem, mas a entrada de novos eventos, principalmente de eventos não tão sólidos assim como as corridas da Indy, as empresas atrapalham um bocado nessa parte das negociações. 

É um ciclo vicioso: a Indy não tem acertos com empresas associadas a ovais e não oferece garantias aos donos de circuitos ovais, dependendo de terceiros; e como esses terceiros não acham ovais tão atrativos aos seus negócios, não há entrada de ovais.

É bem bizarro ver que esses mesmos pontos e esse mesmo impasse vai, aos poucos, chegando até mesmo na NASCAR. A categoria, por meio das suas duas empresas, já vinha diminuindo cada vez mais as arquibancadas para tentar diminuir os custos de manutenção dos ovais, e agora o downsizing chegou até mesmo no tamanho do circuito (vide Fontana que vai diminuir de duas para meia milha) e no plantel de circuitos de cada uma das empresas, onde Chicagoland Speedway e o Iowa Speedway estão em vias de fechar, bem como o Kentucky Speedway tem seu futuro incerto. Os circuitos ovais em si vem passando por uma crise considerável que vem aos poucos atingindo seu ápice.

Existe formas de se conseguir mais corridas em ovais em um futuro próximo? Pessoalmente, por muito tempo pensei que não. Achava que só quando a Indy tivesse uma saúde financeira bem mais robusta a ponto de cobrir prejuízos de ovais que a categoria conseguiria retornar aos ovais com maior fixação, o que é muito difícil de acontecer com o automobilismo cada vez mais tendo a tendência de ter saúde financeira pior, principalmente nos EUA. No entanto, Roger Penske me provou estar errado, me mostrando que há uma luz no fim do túnel num movimento interessante.

O ponto alto do calendário de 2021, além da corrida no circuito de rua de Nashville, é uma segunda corrida no circuito misto de Indianápolis que, a princípio, parece nada demais, mas essa prova acontece no mesmo fim de semana e no mesmo local da categoria principal da NASCAR. Isso não acontecia desde... sei lá... sempre!
 
Esse, talvez, seja o fim de semana mais importante da Indy tirando as 500 milhas logisticamente falando, pois mostra que a categoria, finalmente, está afim de fazer eventos divididos com a NASCAR, dando um primeiro passo e colocando uma corrida no quintal de sua própria casa.

Tá certo que é no misto (afinal, nunca que a Indy iria colocar uma segunda corrida dela mesma no oval de Indianápolis nem dividiria as glórias do último fim de semana de maio com a NASCAR em pleno IMS), mas é algo que merece atenção para uma contrapartida da categoria dos France e, quem sabe, não comecemos a ver fins de semana com Indy e NASCAR dividindo um mesmo oval?

Antigamente isso era apenas uma esperança, já que as duas categorias não estavam brigadas, mas também não se uniam e não iam muito com a cara uma da outra; porém, agora virou um plano concreto.

Quem sabe agora vemos ações concretas de aliança das duas categorias, a fim de colocar os ovais novamente nos holofotes?

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