Depois da grande troca de papéis realizadas entre Champ Car e IRL, com a categoria de Tony George se tornando o alvo a ser batido por Gerry Forsythe, Kevin Kalkhoven e Paul Gentilozzi, a junção entre as duas categorias era óbvia. Mas todo esse processo foi muito longo, demorado e envolveu até mesmo uma tentativa que quase deu certo em 2006. Vejamos como foi essa tentativa e porque não deu certo. 


Após praticamente todos (fornecedores, times e pilotos) mais relevantes migrarem, vimos a IRL finalmente se tornar o ponto mais alto do automobilismo de monopostos americano e passou a cometer vários dos erros anteriormente cometidos por sua arquiinimiga, a CART. Enquanto a Champ Car surgiu dos escombros da CART e se manteve como sitting duck, só esperando a IRL dar mole e perder dinheiro e influência mais rápido que a Champ Car para novamente tomar conta do pináculo dos monopostos. 

Mas existia um grande problema: isso, virtualmente, nunca aconteceria. 

A principal grande diferença entre CART e IRL, que deu origem às grandes diferenças entre as duas sanções é sua gerência. A CART possuía um conselho diretor formado por alguns donos de equipe e que tratavam a sanção como uma empresa privada: a CART tinha um caixa formado pelo lucros dados pelas vendas de ingressos, por patrocínios e pelas taxas pagas por equipes e circuitos para fazerem parte da CART. Em contrapartida, a IRL é comandada pela família Hulman-George e é tratada como uma empresa pública: a sua finalidade não era exatamente dar lucro, mas sim ser usada para revitalizar a importância do Indianapolis Motor Speedway com relação ao automobilismo americano e mundial. 

Até meados dos anos 90 o modo de gerência da CART nunca criou problemas, pois a categoria terminava todas as temporadas no azul e seu dinheiro no cofre sempre aumentava. Quando houve início da concorrência mais direta entre as duas categorias, com cada uma fazendo sua própria Indy, ambas agradavam o mesmo público-alvo e passaram a sofrer com quedas em seus dividendos, a IRL tinha um forte aporte financeiro oriundo de uma empresa centenária e que movimentava centenas de milhões de dólares; enquanto a CART tinha como aporte apenas seu próprio capital para tapar buracos. Depois de 1998 e, quando abriu parte desse capital para ações, passou a ter uma responsabilidade ainda maior com o lucro, o qual não conseguiu obter e, com decisões questionáveis entre 1999 e 2002, a categoria que já estava dentro da privada, entrou no turbilhão da descarga e faliu. 

Depois da falência e da quase compra da CART pela IRL, o legado da sanção passou para Gerry Forsythe, Paul Gentilozzi e Kevin Kalkhoven e, finalmente, se tornou uma categoria com direção normal: com o aporte financeiro de ricaços. Entretanto, os três ricaços não eram tão ricaços assim, com os recursos financeiros dos três somados totalizando, em 2003, menos de 7% do total dos recursos financeiros da Hulman & Company. Assim, mesmo com a IRL em conjunto com a aventura da Fórmula 1 pelo Indianapolis Motor Speedway sendo responsável pela perda de um bocado de dinheiro da empresa dos Hulman-George, a proporção de drenagem de recursos era muito menor que o necessário para a Champ Car voltar ao pináculo do automobilismo de monopostos. 

Mesmo assim, enquanto a IRL tentava e falhava miseravelmente em administrar a grande quantidade de fornecedores, equipes e toda a batalha de poder e ego que veio com elas, a Champ Car conseguiu fazer uma fórmula que a deixa em estado de hibernação, conseguindo fazer uma competição de nível aceitável pelos seus fãs com o mínimo possível de recursos.
Panther e Cheever: duas equipes fortes da IRL sem patrocínio em 2006.
E assim chegamos ao final de 2005. A IRL estava falhando miseravelmente em manter tantos egos e interesses diferentes em sua competição, e um grande exemplo foi a saída da Toyota e da Chevrolet da categoria entre as temporadas de 2005 e 2006. A montadora nipônica trocou saiu da CART em 2001, com planos de entrar na IRL em 2003, e assim o fez, junto com a Honda e com a Chevrolet “de verdade” (anteriormente havia apenas a Oldsmobile Sport, divisão da Chevrolet montada para modificar os motores de rua para a IRL e para a NASCAR). Enquanto a Chevrolet se manteve com as equipes antigas da IRL (Panther, Cheever, Dreyer & Reinbold, Hemelgarn e um monte de equipes que faziam provas esporádicas), Honda e Toyota travaram uma guerra fria de desenvolvimento que durou três anos. Enquanto a Toyota, com a ajuda de Penske e Ganassi, fez um ótimo motor para 2003 mas não o atualizou até meados de 2004; a Honda, fazendo quatro motores diferentes entre 2003 e 2005, em conjunto com a redução na capacidade dos motores de 3,5 para 3,0 L (a mesma configuração dos motores da equipe Honda na Fórmula Um) conseguiu dominar o campeonato de 2004 e 2005, com o apoio da Andretti Autosport. Como consequência, a Honda se distanciava cada vez mais de Toyota, enquanto a Chevrolet ficava estacionada no tempo, o que acarretou no desinteresse da Toyota e a mudança de foco para F1. 

A pequena guerra fria dos motores da IRL fez com que ela perdesse duas fornecedoras de motores e, com a desistência da Panoz/G-Force (que tinha comprado a G-Force em 2002) para ser fornecedora única da Champ Car, a categoria se tornou monomarca para o ano de 2006. 

Mas como isso aconteceu, os gastos não eram controlados na IRL? 

Mais ou menos. O controle de gastos com desenvolvimento não havia antes da cisão um controle de gastos para desenvolvimento de motores ou chassis, mas sim para o produto final. As fabricantes poderiam gastar o quanto quisessem de suas verbas, excetuando alguns pontos, como tempo de pista, uso de túnel de vento, etc; recurso de tempo era limitado para as equipes e, consequentemente, para as fabricantes, mas o recurso financeiro gasto era livre. No fim do desenvolvimento, o motor/chassi não podia custar mais de um valor X, sendo que a categoria subsidiava uma parte Y e as equipes recebiam o produto final X-Y. 

No caso dos chassis isso causou indiretamente o desinteresse da Panoz, pois, com a entrada dos mistos e as dificuldades financeiras da G-Force, a fabricante não conseguiu acompanhar o padrão da Dallara e acabou migrando para o projeto da Champ Car. No caso dos motores, causou a desistência da Toyota. Primeiro, com a guerra travada com a Honda e os altos gastos realizados em 2003 para ter um motor superior ao da concorrente japonesa e atender aos padrões da Penske e Ganassi, gastou muito no desenvolvimento e pouco teve retorno. A Toyota planejava manter a supremacia e gastar menos com manutenções, tanto é que a montadora realizou apenas uma atualização pequena implementada no mês de maio de 2004; em paralelo, a Honda gastou menos em 2003, mas realizou três grandes modificações na sua terceira geração de motor e teve um grande aumento no desempenho na terceira geração dos motores, tendo resultados bem melhores do que os feitos pela Toyota em 2004 e 2005. No fim, a Toyota viu que valia mais a pena investir na Fórmula 1, onde tinha mais visibilidade e desistiu da IRL e do automobilismo americano. 

Caso houvesse um controle nos gastos de desenvolvimento do mesmo modo que fazia com outras áreas de sua competição e como faz hoje em dia na categoria, é bem provável que seus clientes e montadoras se manteriam, e o esvaziamento da categoria fosse bem menor. Isso não foi feito, e a categoria se tornou monomarca extra-oficialmente na pré-temporada de 2006, quando a Toyota anunciou que não forneceria mais seus motores Toyota Indy V8 para a categoria, a Panther revelou que não renovaria com a Chevrolet e a Panoz que não faria mais atualizações do GF09C. Para manter Honda e Dallara, a categoria congelou o desenvolvimento de motores por cinco anos, e de chassis por quatro anos após a última atualização de chassi, a ser feita na pré-temporada de 2007.
Veríamos esse mesmo Dallara e esse mesmo Honda por seis anos seguidos na Indy.
Apesar da grande troca de papéis feita entre o fim de 2001 e o início de 2003, no começo de 2006 Champ Car e IRL já estavam no mesmo nível quanto ao desenvolvimento de chassi: nenhum. 

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2006 parecia o período certo para se tentar uma reunificação entre ambas as categorias. com ambas monomarcas e praticamente nenhum desenvolvimento automobilístico, ambas com grids e calendários minguados, já que a IRL perdeu três carros e três provas entre 2005 e 2006, chegando ao mesmo patamar da Champ Car com 14 provas no ano e menos de vinte carros no grid, e perdendo ainda mais audiência, com as duas não conseguindo um ponto sequer de média na TV aberta e nem meio ponto na TV fechada, ambas concordaram que estava na hora de voltarem a se conversar. 

Apesar de todos esses fatores, apenas quando o bolso de todos começou a ficar mais vazio é que as conversas entre as categorias se esquentaram. com exceção de alguns patrocínios mais fortes, como a Malboro na Penske, Target com a Ganassi, Jim Beam com a Andretti e McDonalds com Newman/Haas, os patrocínios eram de companhias pequenas e pontuais, além dos chamados patrocínios “smoke and mirrors”, onde os patrocinadores eram fabricantes dos donos/sócios das equipes ou da categoria em si. Com isso, estipulou-se que dez dos dezoito carros da Champ Car eram guiados por pilotos pagantes, enquanto na IRL a Panther teve de leiloar metade de sua estrutura para ter dinheiro para alinhar um carro para Vitor Meira até Watkins Glen. Os problemas de patrocínio chegavam até as categorias em si, com os contratos com a Bridgestone e a Ford não renovando seus contratos para patrocinar a categoria, terminando seus contratos no fim de 2006 e a IRL não conseguindo patrocínio para a categoria desde 2002. 
E pensar que a tentativa de reunificação aconteceu em Whenbley, no Race of Champions
Com isso, em fevereiro de 2006, pouco depois de se completar dez anos de cisão, Tony George e Kevin Kalkhoven se encontraram e tiveram várias reuniões tendo uma reunificação como tema. Uma dessas reuniões aconteceu durante a Race of Champions, que aconteceu em Paris, onde Kalkhoven declarou: “Ainda não há nada de concreto e, absoluta e completamente, nenhum acordo por enquanto. Nos encontramos, por enquanto, apenas socialmente. Espero que hajam mais reuniões no futuro. Eu gosto da companhia de Tony [George]”. 

Essas conversas animaram muito os fãs que queriam a unificação, que, em 2006, já compunham a maioria das pessoas que curtiam o automobilismo de monopostos americano. Não muito pelas novidades resultantes da reunião (até porque essas não eram muitas, essas reuniões eram bem fechadas e secretíssimas), mas pelo clima entre ambos os lados. Em toda essa história da cisão, ambos os lados, muitas vezes, se tratavam como inimigos mortais; por mais de uma década, as pessoas se acostumaram a ver um lado tomar decisões estratégicas para simplesmente prejudicar diretamente o outro lado, mesmo que isso acabe prejudicando a si mesma um pouquinho (como a CART programando a realização da US 500 no mesmo dia da Indy 500 e a atitude de tony George em reclamar as alcunhas ‘Indy’ e ‘IndyCar’ para si). 

Mas as coisas mudaram muito durante o primeiro semestre de 2006. Para se ter uma ideia, George e Kalkhoven só se conheciam de nome, as reuniões de reunificação foram os primeiros contatos entre ambos, e um gostou de conhecer o outro: 
 "Ele é certamente um cara interessante e eu gostei de conhecê-lo", disse George sobre Kalkhoven. "Kevin é consideravelmente novo na Indy [Kalkhoven entrou em 2003, no último ano da CART] e alguém com quem eu não tenho nenhuma história, então construir esse relacionamento com ele nos últimos meses tem sido bastante agradável e vale a pena."
Kalkhoven disse que também gostou de suas conversas com George, acrescentando: "Tony e eu, agora, conversamos regularmente sobre todos os tipos de coisas. Uma grande vantagem que tenho é que eu não fazia parte do esporte nos primeiros anos [de cisão]. Não há história de animosidade entre nós". 

Isso deu muitas esperanças ao público de fora mas, para os envolvidos com o automobilismo americano, a reunificação naquela hora era pouco provável. Roger Penske e Mario Andretti eram os mais céticos, dizendo que ‘o que viram até agora foi apenas conversa’. 

Como todos sabemos, não resultou diretamente em reunificação. Ambos os lados não conseguiram chegar a um consenso e alinhar seus interesses naquele momento, principalmente no quesito chassi, motor, liderança e organização. Primeiro porque os próprios donos, apesar de tudo, não concordavam muito em como seria administrada essa nova categoria. Tony George, Kevin kalkhoven, Paul Gentilozzi e, principalmente, Gerry Forsythe tinham visões diferentes para a gerência de uma categoria automobilística e, portanto, uma combinação dos quatro na liderança não é muito fácil de se arranjar. 

Para completar, as fabricantes de motores e chassi já se antecipavam e se mostravam receosas com os rumos que a reunificação poderiam ter. A Honda se antecipou e declarou que não pretendia voltar a fazer motores turbo, já que tanto n a IRL quanto na F1 seus motores eram aspirados e ela pretendia manter-se dessa forma; a Dallara também declarou que não queria trabalhar e modificar o IR03/05 com um motor de menor capacidade, como eram os da Cosworth usados na Champ Car (de 2,65 L e turbo); durante as negociações, a Champ Car introduziu o conceito de um novo chassi para a categoria a partir de 2007 (sim, estavam negociando reunificação mas ainda fazendo planos separados, vai entender...) que tinha a tampa do motor onde os motores maiores, como os usados pela IRL, não cabiam de forma aceitável. 

No entanto, pode-se dizer que a tentativa foi frutífera, pois houve uma espécie de cessar-fogo entre as categorias. Os dois calendários foram acertados para se ter o mínimo possível de choques entre as corridas realizadas nos Estados Unidos, assim, apenas duas provas da IRL e da Champ Car aconteceram no mesmo dia em solo Norte-americano: Cleveland e Iowa no dia 24 de junho e Watkins Glen e Toronto em 8 de Julho. Todas as outras provas norte-americanas aconteciam em dias diferentes. 

Além disso, a IRL e Tony George pararam de fazer lobby televisivo contra a Champ Car, e a categoria conseguiu um novo acordo com a rede de televisão ABC/ESPN, fazendo um acordo de transmissão de, pelo menos, onze provas da categoria em 2007 e assumindo a transmissão de todas as provas da categoria até 2009. Outro ponto importantíssimo foi a aliança entre George e Kalkhoven. Os dois perceberam que a situação das categorias em separado não era boa e se deteriorava cada vez mais, com os dois tendendo cada vez mais para a reunificação. 

Entretanto, uma coisa ficou muito clara: com as duas categorias tendo tantos interesses, missões, visões e até mesmo integrantes tão diferentes e que não se misturariam com facilidade, um acordo bilateral era praticamente impossível. 

Uma categoria teria de se curvar perante a outra. 


Antes de colocar a lista com todos os textos da série, um pequeno disclaimer: Sim, os dois últimos capítulos, assim como todas as sequências de sucesso, estão divididas em partes 1 e 2. E sim,esse foi um texto bem menor que o típico visto (esse só tem cinco paginas Word, enquanto os outros tinham mais de dez) mas, com esse modo, consigo postar mais rapidamente e terminar a série da cisão que já deveria ter terminado, mas cada vez que eu cavava mais achava mais coisa interessante e os textos viravam monstros colossais. Desculpe por dividir um texto que na verdade é uma divisão de uma história, e desculpe novamente por tanto tempo sem postar, até mais.



Essa postagem faz parte da série "A cisão de 1996" que também conta com:

Um comentário:

  1. Mais um excelente texto desta serie de fatos reais. Ansioso pela próxima parte. Acompanho desde o inicio, independente da pausa entre eles!
    E impressionante como relatado no texto, como ambas as categorias, apesar da beira do precipício, mesmo iniciando tratativas de reunificar, ainda tinham cronogramas e novidades, como o novo chassi Panoz pra 2007.

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