Uma das principais dúvidas de quando alguém se toca que a Fórmula Indy (na verdade a INDYCAR) é sua própria sanção é: a Indy está submetida ou ligada à FIA? Se a FIA quiser algo na Indy, ela pode exigir? Esse é um assunto complicado, daqueles que adoramos abordar.

Bem, começamos com história. Até meados dos anos 50 não havia muito dessa discussão pois, na época, as corridas dos Indy Cars, bem como todas as corridas e campeonatos legais de automobilismo que aconteciam nos Estados Unidos eram organizados e sancionados pela American Automobile Association, ou AAA, ou 'Triple A'. Como a AAA era um órgão ligado diretamente ao governo americano e a FIA era um órgão com força política na época, os contatos entre uma e outra eram negociatas políticas e se resolviam na canetada, ou seja, uma não mandava na outra, eram orgãos independentes que se conversavam.

Mas tudo mudou no final de 1955 quando, após pressão do senado devido aos vários acidentes e mortes que aconteciam nas pistas naquela época, a AAA se abdicou da organização e sanção de qualquer competição automobilística e teve uma passagem burocrática de sanção para a United States Auto Club, e fazendo com que várias organizações, como a NASCAR e a SCCA alcançassem o patamar de sanção. Houve um meio tempo onde essa interface era meio que 'terra de ninguém' e a FIA, caso lhe interessasse algo, negociava diretamente seus interesses com cada sanção.
A ACCUS sancionou duas provas na sua história: O GP do USA em Sebring, 1959...

Mas logo isso começou a dar margem a problemas, com umas sanções sendo mais permissivas que outras e a necessidade de uma representação americana dentro da FIA, foi criada em 1959 uma associação de sanções para que essa interface FIA-Sanções fosse feita de modo igualitário e comunitário.

E assim foi criada em Daytona Beach a Automobile Competition Comittee for the United States, ou ACCUS-FIA foi criada pela própria FIA e onde NASCAR, USAC e SCCA se associaram. A ACCUS permanece até hoje como organização guarda-chuva com a INDYCAR, NASCAR, NHRA, SCCA, USAC (sim ela ainda existe) e IMSA como associadas.


Mas partindo para as perguntas: a Indy e as categorias da ACCUS são submetidas ou ligadas à FIA?

Talvez aí esteja o grande ponto: as sanções todas tem representação na ACCUS, que é um orgão que não só é diretamente ligado a FIA como está abaixo desta pois, dentro da organização FIA, a ACCUS representaria uma National Motorsport Authority, algo similar a CBA brasileira. No entanto, nenhuma das sanções americanas está acima ou abaixo da FIA mesmo nos Estados Unidos, pois NENHUMA SANÇÃO AMERICANA ESTÁ DIRETAMENTE LIGADA À FIA. Usando uma analogia, é como a Santíssima Trindade do Cristianismo: Pai, Filho e Espírito Santo são Deus, mas Pai não é Filho, Filho não é Espírito Santo e Espírito Santo não é Pai. No caso nosso, as sanções americanas são ligadas a ACCUS e a ACCUS está ligada à FIA, mas as sanções não estão ligadas a FIA.
Em verde as ligações que existem, em vermelho as ligações que não existem.
Parece desnecessariamente confuso e sem lógica, mas quando analisamos o contexto faz um bocado de sentido, no entanto, essa interface é bastante necessária para algumas atividades que são bastante triviais mas que podem causar atritos (ou ao menos gerar mais burocracia) caso seja feito diretamente entre sanções e a FIA. A ACCUS basicamente cuida de aparatos burocráticos hoje em dia: emite licenças para estrangeiros correrem nos EUA e americanos correrem fora dos EUA, homologa os veículos de competição (isso é mais relevante no caso das categorias menores da SCCA e USAC, onde geralmente são os pilotos que montam os próprios carros) e registrar e arquivar resultados; além disso, cumpre-se a cota de ter uma associação americana para representar os interesses do país frente aos conselhos mundiais da FIA que são realizados uma vez a cada era geológica. Esse trabalho é bastante burocrático e importante de existir pois, por exemplo, no caso dos pilotos da IMSA que correm em outras categorias, se fosse necessário tirar uma licença para cada categoria e cada uma dessas licenças precisasse de homologação da FIA só geraria um monte de burocracia desnecessária.


Mas num caso de atrito forte entre a FIA e as categorias da ACCUS, o que acontece?

Bem, na teoria, a FIA pode exigir o que quiser da ACCUS, tendo em vista que ela está abaixo na hierarquia da própria FIA. No entanto, a ACCUS em si não é uma entidade obrigatória perante seus membros todos ali (incluindo a INDYCAR) não são obrigados a seguirem diretrizes determinadas a ACCUS. Ou seja, a FIA pode obrigar a Indy a atender alguma norma, mas a Indy escolhe se atende a obrigação ou não.

Mas, na prática, nada disso ocorre. A FIA e os órgãos de sanção buscam cada vez mais uma convivência pacífica onde cada um entende e respeita seu espaço. Tanto é que recomendações FIA, como o uso do Halo para monopostos, não atingem categorias presentes nos Estados Unidos. Apenas os circuitos mistos que estão integrados nas principais categorias dessas sanções (o campeonato do IMSA, a NASCAR Monster Energy Cup Series e o NTT IndyCar Series), além dos circuitos americanos que as categorias FIA correm (como os circuitos de rua da Fórmula E e os circuitos que fizeram parte do campeonáto de F1) são listados e ranqueados pela FIA, sendo que nenhum circuito oval tem qualquer classificação de categoria. Os pontos de superlicença para entrar na F1 que os pilotos obtém nessas categorias sempre está sob judice e avaliação extra da FIA. Até mesmo em casos mais extremos, como no caso do acidente que vitimou Dan Wheldon, a FIA ao invés de mandar e exigir sua investigação no caso, solicitou o acompanhamento das apurações da INDYCAR, que não negou e então a FIA fez parte da comissão de investigação do acidente.
F-4 USA foi um dos poucos imbróglios que houve em toda essa organização.
Mas creio que o caso mais icônico dessa confusão aconteceu em 2015, quando a FIA anunciou que queria montar um programa de jovens pilotos com no mínimo duas categorias nos EUA a começar já em 2016. Para os membros da ACCUS era bem tranquilo a F1, o WEC e a F-e vir de vez em quando e outra bem diferente é a FIA sediar campeonatos e categorias inteiras em solo americano, concorrendo com os já existente e sancionados por membro da ACCUS. Assim, a ACCUS barrou momentaneamente a criação dos campeonatos (A F-4 USA e a F-3 Americas), requerendo a FIA que ela se afiliasse a alguma sanção que era membro da ACCUS para que o campeonato ocorresse em solo americano. Depois de várias negociações entre FIA, SCCA e USAC (que se candidataram a sancionar a F-4 e a F-3), ficou acertado que a sanção seria toda feita pela SCCA, com a FIA andando nos circuitos principais dessa sanção, e o campeonato seria organizado pela própria FIA, com todos os pilotos de base estrangeira necessitando da licença e passaporte ACCUS para correr os campeonatos. Por esse motivo, o primeiro campeonato da F-4 USA que estava previsto para começar em abril e ter sete etapas, teve apenas cinco destas e começou no início de junho.

Nesse caso, a FIA deu um passo atrás e se alinhou a uma sanção para ter sua categoria legal, e os membros da ACCUS deram um passo atrás e não ligou da FIA organizar uma categoria de monopostos de base, concorrendo diretamente com o Road to Indy e com as categorias menores da USAC. Elas tomaram essas decisões porque entendem que um convívio mais harmônico é melhor para todo mundo, afim de evitar os casos extremos onde uma tenta exigir umuito da outra, onde ocorre as negações, seguidas de boicotes, cancelamentos e etc.

Em suma: ninguém manda em ninguém, ninguém está diretamente ligado a ninguém. É melhor desse jeito e, para manter tudo isso com o mínimo de estranheza e burocracia possível, criaram um órgão específico. Fim.


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