O horror, o completo horror! Uma postagem especial para mostrar o pior ano do automobilismo americano.


No capítulo anterior mostrei que as ideias de Tony George cresceram ao ponto de incomodar a todos e criar uma guerra, já que a CART comprou a briga pela supremacia do automobilismo americano. No fim dele também mostrei a merda que estava se formando para o acompanhante do automobilismo americano, onde não havia mais espaço para pacifismo entre elas.

Aqui as coisas extrapolam.

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Em 97, ninguém mais com Indycar no nome.
Para ressaltar ainda mais o clima de inimizade que havia, vamos a famosa discussão do nome IndyCar. Lembram que, em meados de 1992, o Indianápolis Motor Speedway registrou a CamelCase "IndyCar" e, após alguma negociação, licenciou a marca para a CART por cinco anos.

Bem, no começo de 96 a IRL por intervenção do IMS queria deslicenciar a marca para a CART. Em 16 de março a IRL mandou uma carta para notificar a CART, dizendo que ela tinha um mês pra retirar o nome IndyCar e afins (tipo Indy) de tudo que envolvesse a categoria: o PPG Indycar World Series, o Australian IndyCar Grand Prix, o Molson Indy Toronto e Vancouver, a equipe Project Indy e até o chassi Reynard 94/95 Indy e o motor Ilmor Mercedes IndyCar 108 poderiam ser afetados. O detalhe é que esse ultimato veio um dia antes da segunda prova da CART em 96, a ser realizada no Rio de Janeiro, e tinha o nome de INDYCAR Rio 400.

Mas o contrato não valia cinco anos? Sim, valia. A própria CART alegou isso e conseguiu manter a marca com ela por todo o tempo da licença, depois a marca seria devolvida à IRL e a CART retiraria o nome 'Indy' ou 'IndyCar' de todas as provas de 98 para frente (IndyCar Rio 400 virar apenas Rio 400k) a Mercedes e a Reynard mudariam o nome de seus carros de Indy para International, assim não mudaria as siglas, e a Project INDY virava Project CART.

Então, qual o motivo da disputa? Gerar mal estar na CART e entre a CART e a IRL. As marcas que apoiam, ou pelo menos algumas delas, gostavam de ter seu nome atrelado à Indy de alguma forma, pois ela ainda tinha algum prestígio antes desse rolo todo. Também marcava a separação completa de tudo envolvido da CART com a IRL e a "verdadeira Indy", que seria extensivamente usada pela categoria de Tony George.

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Nesse dia a IRL passou a existir.
Andando pra frente na linha do tempo, vimos no capítulo passado as negociações de reunificação se perdendo para todo o sempre com a IRL reservando 75% do grid da Indy 500 para seus carros, e a CART organizando de última hora uma prova de 500 milhas em Michigan, no mesmo dia da Indy 500, como retaliação.  Mesmo depois dessas ações, ainda houveram várias negociações para a IRL voltar para dentro do seio da CART ou para, ao menos, mais carros da CART participarem da Indy 500.

A melhor delas aconteceu na virada do ano de 95 para 96, com a proposição do presidente da CART, Andrew Craig, em criar mais um novo conselho de diretores que misturasse os desejos de ambos os lados. Eram um conselho de diretores formados por nove pessoas: 3 da CART, 3 da IRL e 3 independentes, aprovados pelas duas sanções. Também mostrariam mudançass no calendário, com metade das provas em ovais, e que as provas em circuito oval seriam sancionadas pela nova IRL e a CART sancionaria os mistos. A IRL mostrou interesse forte no novo plano, e participou de duas reuniões muito frutíferas, parecia que era a salvação de toda a merda que se seguiria. 

Mas tudo deu errado novamente, e pelos mesmos motivos de sempre. Em meados de janeiro, na terceira reunião entre CART e IRL, o lado Georgiano da força saiu das discussões e cancelou o pacto. Eles acusavam a CART de mudar várias coisas não mencionadas anteriormente, como diminuir a corrida em Indianápolis para dez dias, mudanças técnicas e outros pontos para ovais que o conselho da IRL não aprovou.

A nova cara dos pilotos de Indiana.
Houveram outras tentativas, incluindo um acordo meio bizarro entre Roger Penske e Tony George para os carros da CART também terem alguns lugares assegurados na Indy 500 e o grid ter 42 carros. Mas nada disso prosseguiu e foi além de conversas, as duas já estavam distante demais para uma volta tão rápida. Seriam necessários mais seis anos de separação e quatro capítulos da série para um acordo ser vislumbrado de fato.

Então, a primeira prova da novíssima IRL aconteceu no novíssimo Walt Disney World Speedway. A Indy 200 at Walt Disney World correu em 27 de janeiro, e foi uma mistura de sucessos e fracassos complicada de se classificar. Sei que falei que não iria detalhar pormenores da competição, mas abrirei exceção apenas nessa postagem, para que vocês entendam melhor o que quero mostrar.

Houveram testes na nova pista entre 9 e 17 de janeiro, para que as novas equipes e pilotos pudessem se aclimatar com tudo (carros, pista, estreia em ovais, categoria, etc.). O clima era de festa e nervosismo, pois no fim de cada dia de testes a maioria dos envolvidos se encontravam em uma churrascaria ou numa pizzaria. 

Mas, a cada dia de treinos, as coisas ficavam mais perigosas, não tanto pela pista, mas pelas altas velocidades que os carros antigos da CART atingiam no tipo de pista de Walt Disney. Butch Brickell (Brickell Racing) e Eliseo Salazar (Team Scandia) foram as vítimas na primeira etapa, quebrando duas vértebras e uma perna, respectivamente, e não participando da primeira prova.

"Olha que parada nos boxes rápida, demorou só 18 segundos!"
Outra característica que permeou por toda a vida da IRL foram as esquisitices, e as da primeira semana foram proporcionadas por Jim Crawford, que vendeu TODA A SUA EQUIPE dois dias antes para a Della Penna Motorsports e Richie Hearn; e por Tony Turco e sua equipe própria, que não chegaram a tempo do primeiro treino livre. Eles se somaram a Jim Buick (que nem deu as caras) Rick DeLorto e Bill Tempero (que não conseguiam fazer seu carro chegar a 145 mph) como os primeiros pilotos a não conseguiresm se classificar para uma corrida da IRL. Todos, com a exceção de Turco, receberam dez mil dólares como prêmio.

O autódromo teve lotação máxima, mesmo com a instalação de uma arquibancada temporária extra a um mês da prova. Mais de cinquenta mil pessoas estavam presentes na prova, e houve um grande congestionamento na entrada do autódromo, o que fez com que alguns se acomodassem com a prova já rolando. Stewart e Calkins monopolizaram a prova, com Buzz cruzando a linha de chegada em primeiro lugar.

Esse padrão de pilotos se machucando nos treinos, esquisitices pouco antes ou durante as provas, casa praticamente cheia e apenas dois ou três brigando pela vitória foi repetido em todas as outras quatro provas do ano, seja na temporada de 96 ou na temporada de 96-97.

Já na CART havia uma guerra interna. Com o vácuo de poder deixado pela queda da Penske desde 95, Chip Ganassi e Newman-Haas brigaram bem próximas pelo campeonato. No fim, o regularíssimo Jimmy Vasser se aproveitou de um ótimo início de campeonato com quatro vitórias em seis provas, se sagrou campeão em cima do veteraníssimo Michael Andretti na última prova em Laguna Seca. Destaque para o companheiro de equipe do campeão, Alex Zanardi, terceiro colocado no ano de estreia, e para o crescente número de brasileiros na categoria, passando para oito aquele ano.

A CART parecia ter passado por cima de toda essa situação de cisão. O grid não havia diminuído, com a entrada de novas equipes e uma nova fornecedora de motores. Os índices de audiência ainda aumentavam e os circuitos continuavam cheios, com o dinheiro ainda vindo para os bolsos de todos numa das melhores temporadas da categoria desde 1992.

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No fim de tudo, o primeiro ano da IRL não foi um desastre e a CART teve um ótimo ano, dando uma recuperação da aparente apatia que acometia tudo desde 93. Para analisar melhor, vamos parte por parte:

  • Audiência:
Paul Page na Indy 500 de 96.
Esse, talvez, fosse o ponto em que a IRL chegou mais próximo e até bateu em alguns momentos a CART. Ambas tinham praticamente a mesma cobertura da ABC/ESPN, recebiam a mesma atenção em fins de semana de corrida, mas com a CART passando para a TV fechada (ESPN) quando havia choque entre as duas.

No fim, as quatro corridas da IRL (não conto Indy 500) tiveram média de 1,85 pontos de audiência na época, contra 1,95 de audiência alcançada pelas 16 provas da CART (quatro delas em canal fechado e doze em canal aberto). Isso pra mim é um empate técnico.

Já no dia D da grande guerra automobilística, o Memorial day de 1996 com Indy 500, US 500 e Coca-Cola 600 da NASCAR acontecendo no mesmo dia, a grande vencedora foi a eterna Indy 500. Ela obteve 7,1 pontos, enquanto a Coca-Cola 600 atingiu 4,6 pontos e a US500 conseguiu 2,0 (na verdade conseguiu 2,8; mas a pontuação em canal fechado é inflacionada e, pelo número de pessoas sintonizadas, o valor é corrigido para o aberto como 2,0).

Apesar dessa vitória no Memorial day e de ser o segundo maior evento televisionado no dia (perdeu só pra final da conferência leste da NBA), houve uma queda de mais de 20% da audiência quando comparado com o obtido em 95, e também foi a audiência mais baixa da prova desde 1969. Mas a maior derrota foi para a Daytona 500, pela segunda vez na história, a Indy 500 teve audiência mais baixa que a abertura da temporada da NASCAR. A primeira vez que isso aconteceu foi em 1994, com a prova da Indy perdendo de 9,1 a 9,4.

Um caso que aconteceu envolvendo a TV brasileira, Emerson Fittipaldi e a IRL aconteceu em 96. Aqui em terras tupiniquins, quem detinha os direitos da Indy 500 era da Fittipaldi USA, desde que ela foi transmitida pela primeira vez no Brasil, em 1984, ainda chamada de Fórmula Indianápolis e depois abreviada para Fórmula Indy. Por direito de abrangência, com exceção de negociações diretas feitas com Tony George, todos os detentores dos direitos da Indy 500 detinham também o direito de transmitir a IRL. 

Sim, isso quer dizer que a família Fittipaldi, que tinha o Emerson correndo na CART, detinha os direitos da IRL no Brasil. E, como a SBT não tinha interesse algum em transmitir as outras provas da IRL além da Indy 500 e a Fittipaldi estava tudo bem com isso, as provas foram ao ar em VT a uma e meia da manhã de domingo. Tony George processou a Fittipaldi por isso e teve o direito de quebrar o contrato e repassar os direitos da IRL no Brasil (incluindo Indy 500) para outra pessoa que, no caso, foi para a rede Bandeirantes, que transmitiu a CART no inicio das transmissões da Indy, em 84.

  • Dinheiro e Patrocínios:
Um dos pontos mais complicados nessa história toda foram os patrocínios, tanto das categorias quanto das equipes. Havia uma concorrência direta entre CART e IRL pelas cotas de patrocínio, pois ambas possuíam e agradavam a mesma base de fãs.

Jim Gruthie cheio de patrocínios.
As grandes patrocinadoras, como Texaco, Miller, Malboro e Valvoline saíram da IRL em quase sua totalidade; com as fabricantes de motores da CART também não apoiaram nada da categoria nova de Tony George. Da mesma forma, os patrocínios da AJ Foyt (Bosch e Conseco) e a bilionária família Menard se mudaram de mala e cuia para a IRL no primeiro momento. A PPG e a Pennzoil, por exemplo, patrocinavam as duas, dividindo suas cotas da CART para ambas as categorias.

Com isso, a CART perdeu um bocado de dinheiro oriundo de patrocínios e acumulou US$ 331 milhões, cerca de 15% menos que no ano passado. Enquanto isso, para as quatro primeiras provas do ano, a nova categoria acumulou cerca de US$ 32 milhões.

Já visualmente as categorias se mostravam de modo completamente oposto. A CART continuava imperando com seus carros com patrocínios fortes e com praticamente todas as marcas tradicionais sendo estampadas em seus carros e nos macacões de seus pilotos. Já a IRL aparecia praticamente limpa de patrocínios, com seus carros mostrando, em sua maioria, decalques pequenos das marcas que patrocinam suas equipes.

  • Pilotos:
Esse é um ponto muito importante em ambas as categorias, pois tivemos duas corridas do ouro em processo nelas. Começarei meio polêmico: os pilotos da IRL não eram essas perebas que a lenda conta. E, para explicar melhor, faço um parêntese.

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Equipe do sharp ganhando a Daytona 24h
Primeiro, é meio compreensível que pilotos estrela que se tinha notícia todos os dias no Brasil não aparecessem na IRL. Era uma categoria com a combinação única de correr só em ovais com carros monopostos, além de estar estreando esse formato. Obviamente, pilotos da CART e da NASCAR não entrariam nessa empreitada de aprender ou a dirigir apenas em ovais (já que a maioria dos que faziam isso na CART já iriam para a IRL) ou de pilotar em monopostos.

A categoria, por ter essas características, já era voltada aqueles que queria aparecer/reaparecer no cenário do automobilismo novamente. Ao contrário do que se imagina, não tinha piloto só de midget entrando na categoria.

No fim, apesar de tudo, a IRL tinha um grid consideravelmente bom. Ex-pilotos de F1 (Cheever, Salazar, Alboreto, Guerreiro, Zampedri) fizeram algumas provas em 96, e o vice-campeão da F-3000 de 96, Kenny Brack, optou pela IRL no ano seguinte. O campeão da Fórmula Atlantic de 95, Richie Hearn, também veio pra categoria, bem como os ex-campeões da Indy Lights Robbie Buhl e Mike Groff.

Pilotos que tiveram um início de carreira nos carros de turismo também correram e viriam a fazer carreira na IRL. entre eles se destacam Scott Sharp, campeão das 24h de Daytona de 96, e John Paul Jr, campeão das 24h de Daytona em 82 e 97.

Dos midgets vieram muitos pilotos para as 500 milhas de Indianápolis, mas apenas cinco pilotos disputaram outras provas da temporada. Entre eles, vale o destaque para Tony Stewart, que estava quase certo para entrar na NASCAR mas foi meio que arrastado por Menard e George para ir par a IRL, e também o multicampeão na terra Davey Hamilton.

Eles se juntariam a pilotos já estabelecidos nas 500 milhas, como Arie Luyendyk, Lyn st. James e Buddy Lazier para formar um grid considerável da IRL em 96. Claro que não era um grid da CART ou da NASCAR, mas já era um bom início, até a categoria se firmar no autmobilismo.

Bom destacar que as equipes também tiveram grande parte nesse fato pois elas não conseguiram arrastar pilotos de outros campeonatos para o certame, ficando mais passivamente esperando os pilotos virem até elas. 

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Já a CART vivia um momento de transição entre seus pilotos. Os grandes pilotos dos anos 80 estavam já ou aposentados (Como Rick Mears, Gordon Johncock, Al Unser, Tom Sneva, Mario Andretti e os irmãos Bettenhausen), ou estavam no final de seus ciclos, já se aposentando, como Bobby Rahal e Emerson Fittipaldi. 

Com isso, as equipes grandes da categoria passaram a investir em novas promessas, com a Ganassi apostando em duas novas estrelas, a Galles errando miservamente em sua aposta, e Newman-Haas, Rahal e Penske conseguindo companheiros a altura de Al Unser Jr., Bobby Rahal e Michael Andretti. Vimos o surgimento de muitas caras que estavam relativamente escondidas no meio da constelação da CART, como Christian Fittipaldi, Gil de Ferran que estrearam e 95 e Bryan Herta e Jimmy Vasser, que estrearam alguns anos antes da temporada de 96. O piloto que mais chamou a atenção nessa época foi Alex Zanardi que, no ano de estreia pela Ganassi, conseguiu o terceiro lugar no campeonato. Talvez esse fato dos novos pilotos, todos querendo mostrar serviço e se destacar nessa nova corrida por notoriedade na CART, tenha feito o campeonato ser equilibrado da forma que foi em 96.

Os pilotos também foram um grande ponto para a categoria ser a escolhida do povo brasileiro. além da IRL passar praticamente toda em VT na madrugada e do modo de corrida da CART ser o mais próximo da F1, que todos estavam acostumados, tínhamos uma miríade de brasileiros na categoria. Além dos que brigaram pelo título, tínhamos os medalhões Raul Boesel e Emerson Fittipaldi sempre brigando por algo no pelotão da frente e os novos André Ribeiro, Maurício Gugelmin e Marco Greco tentando seu lugar ao sol, sem contar o eterno Roberto Pupo Moreno aprontando das suas. 

Isso fazia com que a categoria tivesse apelo suficiente para ser transmitida em TV aberta em grande canal (o SBT) e alcançasse altos pontos de audiência na grade da emissora de Sílvio Santos até 1998.

  • As equipes.
Ao meu ver, foi nesse ponto que a IRL e Tony Geroge mais erraram. As políticas de apoio praticadas pela categoria nos primeiros anos, por algum tempo, jogaram contra ela mesma. Com todos podendo utilizar chassis e motores antigos, a categoria fornecendo várias peças e conjuntos de pneus de modo gratuito e dando premiação pelo simples fato de alguém se inscrever e entrar no entry list de cada prova, muitas equipes amadoras apareceram no certame. O custo extremamente baixo fazia com que muitas equipes de qualidade duvidosa aparecesse em 1996 com chassis de 1993-92, motor Buick e mecânicos que demoravam quase meio minuto para fazer pit stops.

Daí criou-se uma lacuna na categoria estreante. Tinham as quatro equipes que eram de fato profissionalíssimas: a AJ Foyt e a Hemelgarn, oriundas da CART e com  grande experiência em ovais; a Menards, que compensava a juventude de sua equipe com pilotos bons e experientes e muita grana injetava pelo bilionário John Menard; e a Team Scandia, que comprou boa parte da estrutura da Dick Simon para correr na IRL. Também havia as equipes que estavam no meio do caminho, investindo uma quantidade de dinheiro e esforço razoável na categoria: a Beck, a Della-Penna e a Bradley Motorsports e a Pagan, a Treadway e a Byrd-Cunningham Racing, que investiram em equipamentos mais novos e de qualidade, com pilotos experientes ou com destaque em outras categorias. E o resto, de aventureiros que buscavam o dinheiro das premiações ou alguma relevância em um cenário da IRL.

Isso criou um fenômeno que era possível ver apenas na IRL. Haviam dois tipos de pessoas interessadas na categoria de Tony George: aquelas que levaram a sério o projeto e as que visavam só correr e participar da coisa toda.  

O pessoal da primeira opção geralmente buscava outras pessoas que levavam a sério a categoria, formavam parcerias e corriam juntas. Daí, como o número de pilotos interessados era bem maior que o número de equipes, houve uma verdadeira briga por vagas na Foyt, Menards, Hemelgarn e Scandia, e foram as únicas equipes a alinhar mais de dois carros durante a temporada toda. A Scandia alinhou SETE carros na Indy 500, além de dar apoio técnico a Zunne Group no carro de Lyn st. James, já que a moça, que pilotava pela equipe nas duas primeiras etapas, TEVE QUE SAIR DA EQUIPE para ceder seu carro a Racin Gardner.

O segundo grupo seguia o padrão de comprar/conseguir de outras formas um chassi velho da Lola (tipo 93 ou 92), alguns Buicks ou Menards remanufaturados, mecânicos amigos e dirigir rumo ao circuito para correr. Essas equipes gastavam realmente pouco, cerca de 100 a 200 mil dólares, aproximadamente, ou até menos.

O caso mais icônico foi o de Dan Drinan e da Loop Hole Racing. A aventura dele nas 500 milhas de Indianápolis eu já mostrei aqui, no quarto lugar do Top X de maiores revezamentos de pilotos num carro da indy 500. O que conto agora é que, o carro que ele comprou para participar dessa corrida, com cinco anos de idade, foi comprado de Michael Andretti por menos de 15 mil dólares. Os mecânicos eram seus amigos, e receberam quase nada para trabalhar. O piloto era ele mesmo. O próprio piloto/dono admite que "onde mais gastei dinheiro foi para transportar os equipamentos para Indianápolis e provisões para manter todos da equipe vivos por um mês". Ele gastou cerca de 40 mil dólares e, nos dias bons, conseguia andar a menos de trinta milhas dos pontoeiros.

Creio que, mais do que chassis e motores antigos, falta de patrocínios ou pilotos não conhecidos no automobilismo de monopostos, esses casos que deram a fama de amadora a categoria.

Já na CART, as equipes nunca viveram tão bom momento. Por causa das mudanças de regras para aquele ano, os chassis baratearam consideravelmente e todos tinham equipamentos atualizados daquele ano. A regra que restringia a quantidade de carros para dois por equipe também ajudou a controlar os gastos, já que equipes como a Penske precisariam abrir equipes satélites e gastar bem mais dinheiro para manter mais de dois carros.

Essas medidas equilibraram muito os patamares entre as equipes. Vimos equipes como a Hall, a Forsythe e a Tasman figurarem entre as grandes, e a Galles e Penske de Robby Gordon caírem de forma acentuada. A categoria vivia quase um socialismo automobilístico e, ironicamente, se ela corresse mais em ovais, realizaria o sonho de Tony George.

Apesar de pilotos, público e a categoria como um todo estar feliz com isso e darem graças por não terem mais TG atrapalhando seus planos, sempre tem alguns que não estão felizes e, dessa vez, gente poderosa não estava feliz. Os descontentes da vez eram as montadoras Ford, Mercedes e Roger Penske, que alegavam estar sendo prejudicados pelas novas restrições impostas pela CART.

Isso conseguiu ser contornado em 1997, com novas regras de menor restrição, mas isso comento no capítulo seguinte. 

  • Corridas:
Lembram dessa ultrapassagem?
É meio estranho o quão separado uma categoria poder ser da outra.

Na IRL, por mais que o IMS tenha tentado, víamos um simulacro da CART. Nas corridas havia uma grande disparidade entre as equipes mais profissionais e as mais amadoras em todos os aspectos: o equipamento delas era melhor, os mecânicos eram melhores e fazia trocas mais rápidas, haviam mais recursos e patrocinadores, até os ajustes eram melhores, pois o sistema de análise da telemetria era melhor. As corridas eram monótonas na maioria das vezes, com os dois ou três que acertaram mais o ajuste do carro brigando pela liderança, enquanto metade do grid ficava a duas ou três voltas deles.

Entretanto, o campeonato foi bem disputado, pois raramente a mesma equipe ou piloto conseguiam manter a regularidade. Todas as cinco provas de 96 tiveram pilotos e equipes vencedoras diferentes (e desse modo se seguiu até a oitava prova da categoria, quando Luyendyk e a Treadway ganharam pela segunda vez). O primeiro campeonato, com três provas, terminou num empate e ninguém conseguiu subir ao pódio por duas vezes nesse campeonato. Pode parecer vitórias aleatórias, mas acontece que a combinação de corridas em ovais, onde o ajuste certo é imprescindível, e equipamentos obsoletos sempre propensos a quebrar geravam essa combinação.

A CART era o exato oposto disso.

As corridas da CART, com todos correndo com equipamentos atuais, mais carros conseguiam chegar até o fim das provas e uma competição maior se estabeleceu a cada corrida.

Entretanto, o campeonato permaneceu polarizado, com os três primeiros do campeonato (Vasser, Andretti e Zanardi) vencendo doze das dezesseis provas do ano. A CART havia mudado, mas não tanto assim. As novidades ficam por conta da Penske que, pela primeira vez desde a criação da CART, esteve fora do primeiro lugar em todas as provas da temporada; apenas Ganassi, Newman-Haas, a mediana Hall e a nova Tasman subiram no ponto mais alto do pódio.

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A primeira fila da Indy 500 depois do pole day.
Havia um clima de desavença óbvio entre CART e IRL, e esse se intensificou aos mais altos níveis em maio de 96. O clima de guerra era aberto entre ambas. Elas realizariam a prova mais importante de seus calendários no mesmo dia, e ambas apostaram alto em marketing, com medo do fiasco que poderia ser tudo isso. 

O IMS apostou alto em dois pontos: velocidade e a oportunidade para novos pilotos. No início de abril, Tony George providenciou um reasfaltamento de toda a pista e, mais para efeitos de marketing do que para avaliação, foi solicitado para a Menards e Scott Brayton dar algumas voltas lançadas na pista. Brayton alcançou a marca de 237,555 mph de média, quase cinco milhas mais rápido que o recorde obtido em 1992 por Roberto Guerrero, e esse resultado foi aproveitado ao máximo para o marketing da Indy 500 e da IRL como "categoria mais rápida do automobilismo".  Junto com isso, veio o uso da imagem de Tony Stewart, campeão nacional dos Midgets da USAC em 94 e o primeiro campeão da tríplice coroa da USAC em 95. Mesmo com essas conquistas, não conseguia subir para os monopostos e tinha que trabalhar como motorista de guincho para se manter. Com o início da IRL, a história do piloto e a influência de Mark Dismore o fizeram entrar para a equipe de John Menard.

A CART tinha uma missão mais difícil, fazer a US 500 funcionar no mesmo dia da Indy 500 num palco tipicamente lotado pela NASCAR. Para tanto, usou a melhor arma que tinha a disposição, que eram seus pilotos e equipes, com o slogan cunhado por Mario Andretti: 

Indianápolis é o grande teatro, mas os grandes atores estão em Michigan.
A presença das equipes e pilotos em Michigan era o grande mote da US 500, enquanto a tradição e a velocidade eram as da Indy 500. 

Nada disso funcionou. Apesar do Indianápolis Motor Speedway ter casa cheia e 100% de ingressos vendidos, como acontece desde sempre, o preço dos ingressos nos lugares mais caros foi diminuído nos últimos dias de venda, e o lucro das 500 milhas aquele ano caiu para praticamente zero. Em Michigan o preço dos ingressos também caiu e, na semana da prova em Michigan, colocou os ingressos na bilheteria a icônicos dez dólares; as arquibancadas principais estavam lotadas e estima-se que 100 mil ingressos foram vendidos, mas as áreas destinadas as patrocinadoras se encontravam praticamente sem pessoas.

Mas, no campo das declarações, as coisas se acirravam. Nas voltas dadas no IMS recém reasfaltado no início de abril, John Menard, segundo as lendas, declarou:

É simplesmente incrível essa velocidade, creio que nos tornamos a categoria mais veloz do mundo.
Pode até não ter sido, mas soou como uma grande provocação à CART e toda a sua superioridade. Mais a frente, veio a declaração de Mario Andretti, que virou slogan da categoria contra a IRL e suas equipes e pilotos. Poucos dias depois, veio a resposta da IRL na forma de declaração de AJ Foyt, que disse:
É Indianápolis que torna os pilotos em lendas, não os pilotos que tornam Indianápolis lendária.
Esses discursos eram repetidos à exaustão pelos defensores de cada lado, sejam pilotos, equipes, envolvidos ou não com as corridas e até o público entrou nessa divisão, criando um clima aberto de guerra entre todos.

Todos incluindo as emissoras do Brasil. A transmissão da Indy 500 estava marcada para ser na SBT até fim de março, quando a IRL acionou a justiça para retirar a transmissão da emissora de Silvio Santos e passar para a Rede Bandeirantes. Com isso, a US 500 passou no SBT, e a Indy 500 passou na BAND. Abaixo, estão dois vídeos que mostram bem o clima de disputa que havia entre as duas categorias, extrapolado para as emissoras brasileiras (primeiro Luciano do Valle na abertura da Indy 500 e depois o programa Osmar de Oliveira, que serviu de abertura para a US 500):



Não estavam duas categorias em guerra, todo o automobilismo americano entrou em guerra. E, como disse Malcolm Muggeridge, "todos gostam da guerra, principalmente, por ela causar excitação, mas essa excitação dura apenas até a primeira grande perda".

No dia 17 de maio de 1996, aconteceu a tragédia que, talvez, mais tenha marcado o Indianapolis Motor Speedway. O pole position da 80ª edição das 500 milhas de Indianápolis testava seu carro quando, na curva dois, ele subitamente dá uma guinada rumo ao muro externo da curva dois e bate violentamente, vitimando o piloto oriundo de Michigan.

Início da US 500 de 96.
Brayton era uma daquelas pessoas que não deveriam morrer nunca. Era conhecido por todo o padoque da CART e dos medalhões de Indianápolis, pois disputava as 500 milhas desde 1981. Era simpático e sorria muito como Dan Wheldon, era pai e sofria com carros mais ou menos que nem Justin Wilson. apenas queria e amava correr como todo piloto que existe na face da Terra. 

Todo mundo, automaticamente, ficou mal pela morte de Brayton. Os pilotos e donos de equipe, tanto da CART quanto da IRL, estiveram presentes em seu enterro. Ninguém, exceto os detratores mais fervorosos (tipo Mario Andretti e Paul Newman), culpou o piloto, o carro, a equipe ou mesmo o IMS e sua direção, que foi uma fatalidade que atingiu Brayton; e também declararam que sentirão falta de Scott. O clima ficou pesado, tanto para a Indy 500 quanto para a US 500.

A Indy 500, ao contrário do pré-dito, foi razoavelmente boa. Com exceção de vários problemas em pit stops, muito devido a falta de experiência das equipes, o que se viu foi uma boa briga pela liderança da prova em uma variedade de estratégias. O mesmo não se pôde dizer da US 500 que teve desde grande acidente na largada e bandeira vermelha com uma hora de duração a corrida mais desanimada e com pouquíssimas trocas de liderança. As provas de 500 milhas que o mundo inteiro estavam de olho eram uma antítese do que cada categoria mostrou durante o ano, a IRL que foi chata o ano todo proporcionou uma corrida muito boa de 500 milhas, e a CART, que teve disputas de tirar o fôlego durante o ano, teve a pior 500 milhas desde 94.

Todos esses fatos de brigas, uma destratando a outra e mortes (pois Jeff Krosnoff também morreu em 96, mas contarei isso mais pra frente) fez com que o público que ainda não acompanhava de tão perto fosse obrigado a escolher um dos lados desse novo mundo do automobilismo de monopostos.  Muitos americanos escolheram a IRL, enquanto muitos Europeus e Sul-Americanos escolheram a CART, pelo mesmos motivos, basicamente. O que preocupa é que praticamente ninguém escolheu as duas, pois os mundos eram tão diferentes entre si e uma era tão inimiga da outra que fica muito estranho gostar das duas ao mesmo tempo, e uma grande parcela desse público escolheu o lado de fora, seja a NASCAR, a NBA ou a NFL, o que não faltava eram opções.

O mundo do automobilismo americano perdeu credibilidade, a amizade e, principalmente, Scott Brayton.



Essa postagem faz parte da série "A cisão de 1996" que também conta com:

6 comentários:

  1. Estou curtindo bastante essa série sobre a separação entre a CART e a IRL, porém gostaria que o intervalo entre a postagem de um artigo e outro fosse menor.

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    1. Pois é, o tempo tá muito escasso por aqui, daí tem esses intervalos gigantes...

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  2. "Sim, isso quer dizer que a família Fittipaldi, que tinha o Emerson correndo na CART, detinha os direitos da IRL no Brasil. E, como a SBT não tinha interesse algum em transmitir as outras provas da IRL além da Indy 500 e a Fittipaldi estava tudo bem com isso, as provas foram ao ar em VT a uma e meia da manhã de domingo. Tony George processou a Fittipaldi por isso e teve o direito de quebrar o contrato e repassar os direitos da IRL no Brasil (incluindo Indy 500) para outra pessoa que, no caso, foi para a rede Bandeirantes, que transmitiu a CART no inicio das transmissões da Indy, em 84."


    Pois é, pena que a direção da IndyCar não faz o mesmo que fez o Tony George. A BAND continua a transmitir VTs às 1 e pouca da manhã, uma pouca consideração com aqueles que tem somente acesso à TV aberta.
    Nenhuma emissora brasileira (principalmente as abertas) é decente, mas pelo menos eu acho que elas dariam uma cobertura mais decente para a Indy. A falecida Manchete e o SBT transmitiam tudo ao vivo e numa boa.

    Um abraço!

    Karl

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    1. O SBT transmitia até que resolveram mudar a grade deles aos domingos no final de 1997, como estratégia pra bater o Faustão. E como a categoria não dava os resultados que eles tanto almejavam, tentaram colocar em compactos em 1998, não dando certo. Em 1999 o fizeram assim. Mas olha bem como são as coisas, eram compactos às 23:00 e 1 hora certinho que dava pra ter uma noção clara de como foi a corrida, enquanto que hoje somente 15 minutos que não se dá a noção clara de como foi. Espaço pra Bandeirantes teria se ela demonstrasse interesse? Sim, como não. Entre 20 e 21 horas de domingo é um horário morto, corta um pouco do Terceiro Tempo e até 21:00 dá pra mostrar uma hora de compacto da Indy com comentários e entrevista.

      O descaso da emissora é tão grande que nem repórter da área eles mandam mais; o Pétrin esteve nas temporadas de 2011, 2012 e 2013 enquanto que em 2014 mandaram Gustavo Berton e Bruno Monteiro!

      A Indy hoje tem muito mais condições melhores de serem exploradas em canal fechado como ESPN Brasil e Esporte Interativo.

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    2. Obrigado pela informação Raider!
      Realmente havia esquecido este fato: não haver mais repórteres na pista, trazendo informações de última hora. Não sei se isto faz alguma diferença, pois parece que o Felipe Giaffone recebe informações via computador (pelo menos é o que é dito por ele nas transmissões).

      Concordo com você a respeito de que a categoria tenha condições de ser explorada e apesar de eu ter TV fechada, porém, prefiro a TV aberta mesmo, assim ninguém perde as corridas. Acho que nos EUA ocorre a mesma coisa, umas 5 ou 6 corridas passam na ABC e o resto na NBCSN.

      Quando a Indy (CART) estreou na TV brasileira, em 1984, foi pela BAND. Não sei se eles faziam o que fazem hoje. Acho que faziam, pois o Emerson Fittipaldi levou a transmissão para a Manchete em 1993, motivo pelo qual se criou uma inimizade entre o Emerson e o Luciano do Vale. Seria muito bom se algum piloto brasileiro atual pudesse dar uma forcinha como essa, hehe.

      Um abraço!

      Karl

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